Hoje estou fazendo pós-graduação em dependência química. Fui
dependente de drogas por 17 anos dos quais passei 6 anos na rua, onde dormia,
comia, trocava de roupa e fumava crack 24 horas por dia.
Até quando a polícia, o governo e as
secretarias vão continuar decidindo o que fazer em relação ao problema das
drogas em São Paulo
sem ouvir os especialistas no assunto?
Na última quarta-feira, 5 de janeiro, vi
uma entrevista de um coordenador a respeito desta ação da polícia de espantar e
espalhar os dependentes químicos da Cracolândia. Ele disse que a primeira etapa
é uma ação de polícia e a segunda é uma ação social. Sim, só que não sobrará
ninguém para fazer ação social, pelo menos não no centro da cidade.
Também vi uma entrevista de um secretário que
coordena esta ação e ele disse que primeiro devemos dificultar o uso das drogas
para os dependentes, para que estes fiquem mais sensíveis e aceitem o
tratamento. Esta é uma fala de quem realmente não entende como funciona a mente
de um usuário de crack ou de alguém que não pode dizer ou fazer mais do que
isto por outros motivos.
Um “craqueiro“ vive para fumar e fuma para
viver, esta é sua filosofia. O que precisar ser feito, ele fará. Com o tempo
cada usuário vai aceitando fazer ou participar de coisas cada vez mais graves e
comprometedoras, uma vez que sua doença é progressiva e o consumo tem que ser
cada vez mais intenso. Costumo dizer que o avanço da doença é como se o
dependente assinasse pactos com o diabo e vai outorgando a ele procurações
entregando sua vida. Esta doença é demoníaca e dentro de cada usuário se
instala um demônio especializado em algum tipo de falcatrua, golpe ou crime
para conseguir mais droga.
Como é que um “craqueiro” vai se
sensibilizar com qualquer tipo de coisa se ele não experimenta mais nenhum tipo
de sentimento, vivendo pela inércia como um zumbi pelas ruas?
Até quando vamos continuar convidando
educadamente cada usuário a aceitar tratamento?
O que vai acontecer com esta ação na Cracolândia
é que os usuários vão ficar por um tempo rodeando a área até perceberem que a
ação terminou ou que ela não vai terminar e vão se instalar em outros lugares.
O morador de rua e usuário de crack procura
três coisas para se instalar em uma determinada região para viver e usar o crack:
1. Ele precisa estar próximo de onde vai
conseguir comprar a droga;
2. Ele precisa estar em uma região onde
circulem pessoas para que ele possa “acharcar” (pedir e enganar pessoas com
estórias fabulosas) ou roubar.
3. Ele procura estar em pontos ou situações
que evitem que seja pego.
Por isso, a Cracolândia se formou, porque o
aglomerado de pessoas dificulta a ação da polícia e também porque muitos
usuários de outras cidades que já precisam usar 24 horas por dia (e nas suas
cidades ou bairros não conseguem) vão para a Cracolândia pela fama que ela tem de
abrigar os “craqueiros“ e de prover recursos, possibilidades e lugares
(buracos) para o uso.
Sinceramente, se cada usuário perceber que
a Cracolândia não vai mais se reestruturar eles vão se espalhar. São Paulo tem
mais de 30 pequenas Cracolândias nas quais eles vão se instalar.
A primeira etapa de uma ação na Cracolândia
deveria ser recolher o usuário para uma internação involuntária de 30 dias para
que ele possa ao menos voltar a pensar, a se comunicar e a conseguir conversar.
A segunda etapa deveria ser dar a ele uma
opção de tratamento em um lugar mais calmo, mais agradável e mais distante de
São Paulo.
Conforme vai se estruturando, ele vai
conquistando regimes de tratamento cada vez mais abertos e uma maior relação de
confiança.
Se ele voltar para a rua e para o uso das
drogas, repetimos tudo de novo até o vencermos pelo cansaço.
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