Seis meses após início de ação da polícia, cracolândia persiste.
Infelizmente, é quase
um vestibular ter o seu caso atendido pelo Complexo Prates.
Meu nome é Fabian Nacer. Morei na Cracolândia por 6 anos e
hoje estou concluindo Pós Graduação em Psicopatologia e Dependência Química.
Esta manhã, visitei o Complexo Prates na esperança de
encontrar ajuda. Antes, dei uma passada rápida na Rua dos Gusmões, onde contei
mais de 100 pessoas fumando crack.
Quando fiquei sabendo da inauguração deste gigante, minha
alma se encheu de esperança. Nos últimos 5 anos atendi quase 400 famílias, a grande
maioria sem recursos para pagar um tratamento para seus filhos e sem saber para
onde correr, tentando resolver o problema do inferno do crack por conta
própria.
Precisamos de um complexo que atenda de imediato a mãe que
sofre e que vá de encontro à realidade do problema em nossa Grande São Paulo!
Os jovens de famílias e de comunidades carentes estão
fumando crack, dia e noite, até mesmo dentro de casa, tratando suas mães como
lixo. Estas mães precisam trabalhar, cuidar dos outros filhos menores e não
sabem o que vão encontrar quando voltarem para
casa no fim do dia.
Veja o que elas passam tentando enfrentar o problema:
1 - A mãe não pode chamar um resgate ou uma ambulância,
porque o Samu, que mal tem viaturas para atender os acidentes de trânsito,
nunca vai priorizar o atendimento a um dependente químico. E se for enviada uma
ambulância, ao chegar, este jovem precisa estar em surto para que seja
resgatado.
2 – Caso ela consiga convencer seu filho a aceitar
tratamento, terá que procurar um
Pronto Socorro que tenha psiquiatra de plantão (a maioria
não tem) e que esteja aberto. Mesmo que ela atravesse a cidade desesperada, com
seu filho fissurado à “tira colo” e consiga chegar a um psiquiatra, não
conseguirá que seu filho seja encaminhado diretamente para uma internação, porque os órgãos não
trabalham em conjunto e muito menos no meio da noite.
3 - Mesmo que esta mãe aproveite algum raro momento de
lucidez do seu filho e consiga levá-lo a um CAPS, após preencher uma ficha,
apresentar sua condição de sofrimento, passar pela triagem, relatar todo o
problema e consultar um clínico, talvez ela comece a ter chance de conseguir
uma vaga no Complexo Prates. Mas ela provavelmente vai voltar para casa com
este filho até que seja liberada uma vaga. Pode ser, porém, que seu filho não
sobreviva a mais uma noite de crack.
Para que então serve o Prates?
Neste momento, esta “Máquina Monumental” está sendo
desperdiçada atendendo somente alguns usuários de crack, que ficam perambulando
pela região e que, eventualmente, quando estão um pouco cansados de suas vidas
de “nóias”, batem na porta discursando que querem mudar de vida. Muitos entram,
muitos saem, mas poucos realmente concluem o tratamento e ficam limpos.
Como um lugar deste tipo pode ser referência se não atende
quem precisa no momento que precisa?
Pensei que ao chegar ao Prates (principalmente nesta manhã
de sol) veria dezenas de jovens praticando esporte, não vi.
Pensei que veria as oficinas de artes, marcenaria e padaria
lotadas de jovens fazendo atividades, não vi.
No lugar destinado à jardinagem não tinha ninguém mexendo na
terra.
Passei 2 horas observando as instalações do Prates. Havia no
máximo 20 pacientes praticando algum tipo de atividade, e, a grande maioria, estava
fora. Provavelmente, bebendo ou usando drogas.
Como o tratamento se baseia inteiramente na espontânea
vontade em cada um de se tratar, eles não são impedidos de sair e podem voltar
alcoolizados no fim do dia para dormir.
Era nitidamente estampado no rosto das coordenadoras que me
atenderam o sentimento de frustração diante das minhas perguntas. Elas,
inclusive, me disseram que eu “estava sonhando muito alto” e a toda hora
repetiam que nada do que eu queria era “demanda do Prates”.
Como eu gostaria de ter acesso aos números do Prates!
Entretanto, pelas informações que colhi e fazendo as contas, mais de 1000
pessoas passaram pelo Complexo, mas, provavelmente, 900 delas nós não sabemos dizer
onde estão!
O Complexo Prates é uma construção vistosa, que enche os
olhos de quem passa pela porta. Pode até ser muito útil para ser mostrado a alguma
entidade internacional que esteja rapidamente visitando o Brasil.
Naquela ação da Cracolândia, em que até o governo
ficou em dúvida se estava fazendo a coisa certa, a construção deste monumento
serviu para mostrar à sociedade o quanto o governo está trabalhando.
Quero ver o Complexo Prates funcionando com:
Pronto Socorro no
local funcionando 24 horas para não depender dos hospitais;
Pronto atendimento 24
horas no local para atender quem precisa na hora;
Ambulâncias atendendo
e resgatando as famílias a qualquer hora do dia e da noite.
Quero ver aquele espaço ocioso ocupado por centenas de
jovens participando de atividades intensamente por todo o dia.
Quero ver um programa de tratamento para quem não quer se
tratar.
Enquanto isso não acontece, quero saber o que digo às mães
que continuam me ligando diariamente, chorando no outro lado da linha.
Dura realidade... Vou postar o link do teu blog no meu site. Por favor aguarde. Não desista da luta.
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